
O tempo da quaresma inicia-se na 4º feira de cinzas e termina com a missa da ceia do senhor. A quaresma é o tempo de preparação para celebrarmos com jubilo a páscoa do senhor. Iniciamos a quaresma a cerimônia da imposição das cinzas em nossas cabeças, convidando nossas mentes para uma realidade eterna que não passa jamais, com essa realidade somos orientados tanto pelos profetas como por Jesus para uma conversão, conversão esta que simplesmente se encontra na volta do filho para o Pai. Como é relatado no evangelho do filho pródigo, o filho que deixa o pai e depois se arrepende por ter se desviado dos caminhos, e lembramos que nesse contexto o filho precisa se encontrar para que ele possa voltar ao pai e pedir perdão pelo erro cometido primeiro contra Deus e depois contra o pai.
Para entendermos um pouco sobre a quarta feira de cinzas lembramos um pouco de história: Era prática comum em Roma que os penitentes começassem sua penitência pública no primeiro dia da Quaresma. Eles eram salpicados de cinzas, vestidos com saia e obrigados a manter-se longe até que se reconciliassem com a Igreja na Quinta-feira Santa ou a Quinta-feira antes da Páscoa. Quando estas práticas caíram em desuso (do século VIII ao X) o início da temporada penitencial da Quaresma foi simbolizado colocando cinzas nas cabeças de toda a congregação.
Hoje em dia na Igreja, na Quarta-feira de Cinzas, o cristão recebe uma cruz na fronte com as cinzas obtidas da queima dos ramos usados no Domingo de Ramos do ano anterior. O ritual das cinzas, na quarta-feira, deve expressar uma atitude de arrependimento e conversão – atitude que deve ser retomada todos os dias durante o tempo da quaresma e dos outros dias do tempo litúrgico. No início do evangelho está estabelecido o princípio geral de uma atitude de conversão: quem acolhe o Reino de Deus, deve cumprir a vontade do Pai sem algazarra, barulho e ostentação. Quem acolhe o Reino de Deus torna-se fraterno e defende a vida. Quem acolhe o reino de Deus e não serve a dois senhores, mas sim o Deus vivo que em tantas batalhas nos ajudou e continua a nos ajudar
No tempo de Jesus praticavam-se vários atos de piedade e, dentre eles, destacavam-se: a oração, o jejum e a esmola. Para os fariseus, essas práticas haviam se tornado mais uma atitude externa do que interna. Faziam-nas com balbúrdia, ostentação e orgulho e, ainda, faziam-nas de forma pública para que pudessem ser vistos por todos. Uma atitude exibicionista. Uma religiosidade publicitária e, por isso, foram denominados, por Jesus, de hipócritas.
A perfeição do cristão deve corresponder a prática de Deus. A generosidade de Deus se estende aos bons e aos maus, ou seja, no tempo da Quaresma devemos aproveitar o ensejo para exercermos a misericórdia e fazer dela uma prática constante em nossas vidas e não somente na quaresma, mas sim durante o decorrer do ano.
Todos os anos a Conferencia Nacional dos Bispos do Brasil promovem a campanha da fraternidade que tem seu ponto culminante durante o período da quaresma, Mas, que se estende por todo o ano.
O principal objetivo da campanha da fraternidade é vivenciar e assumir a dimensão comunitária e social da quaresma. A campanha da fraternidade ilumina de modo particular os gestos fundamentais desse tempo litúrgico: a oração, jejum e a esmola. Este ano a campanha da fraternidade trás como tema: Economia e vida, e o lema: “Não podereis adorar a Deus e o Dinheiro” Mt 6,24. Lembramos que este ano a campanha da fraternidade será ecumênica, isto significa que outras igrejas cristãs também estarão trabalhando com esta campanha da fraternidade.
O Texto-Base da Campanha insiste que a economia existe para a pessoa e para o bem comum da sociedade, não a pessoa para a economia. O lema da Campanha, e a afirmação de Jesus registrada no Evangelho de Mateus: "Vocês não podem servir a Deus e ao dinheiro" (Mt 6,24) nos propõe uma escolha entre os valores do plano de Deus e a rendição diante do dinheiro, visto como valor absoluto dirigindo a vida.
O dinheiro, embora necessário, não pode ser o supremo valor dos nossos atos nem o critério absoluto das decisões dos indivíduos e dos governos. O dinheiro "deve ser usado para servir ao bem comum das pessoas, na partilha e na solidariedade". Toda a vida econômica deveria ser orientada por princípios éticos. A medida fundamental para qualquer economia é um sistema que deveria criar reais condições de segurança e oportunidades de desenvolvimento da vida de todas as pessoas, desde os mais pobres e vulneráveis até os mais ricos. O capitalismo selvagem trabalho no sentido oposto. Não se importa com a destruição da natureza ou com o fato de que está tornando sistêmica a miséria de milhões de famílias.
Diante disso precisamos denunciar a perversidade de todo modelo econômico que vise em primeiro lugar o lucro, sem se importar com a desigualdade, miséria, fome e morte. A Campanha nos convida a lutar para: incluir a alimentação adequada entre os direitos previstos na Constituição Federal; erradicar o analfabetismo; eliminar o trabalho escravo; combater o trabalho infantil e garantir o acesso à água
Na história humana, marcada por ambições, explorações, injustiças e ganância, a Bíblia se volta decididamente para a defesa dos pobres.
No âmbito social, a Bíblia nos mostra profetas acusando reis e gente poderosa que enriquece à custa do povo e não cuida bem daqueles a quem deveriam servir. Um exemplo temos no inicio do livro do profeta Isaias 3,13-15. É uma denuncia contra os patrões, pois o estado tinha se enfraquecido por causa da classe alta, que tinha roubado dos pobres. E o profeta diante dessa situação e sob orientação do senhor Deus denuncia os roubos, opressões feita pelos grandes aos pobres. Além dos profetas em si no âmbito comunitário, a Bíblia fala sobre a diária do trabalhador que deve ser paga no mesmo dia, pois ele precisa disso para viver (Ex 19, 13), e ao socorro que devemos prestar aos pobres (Dt 15, 7-11).
No âmbito pessoal somos chamados a evitar corrupção e desonestidade e viver a partilha no amor fraterno. As palavras de João Batista no Evangelho de Lucas (Lc 3, 10-14) nos oferecem uma orientação clara nesta área. João convida todos à uma mudança radical de vida, porque a nova história vai transformar pela raiz as relações entre os homens. É o tempo do julgamento e nada vale ter fé teórica, pois o julgamento se baseia sobre as opções e atitudes concretas que cada um assume em sua vida. João pregava um batismo de conversão. Se não mudarmos de vida enquanto é tempo seremos condenados, como a arvore que não der bom fruto é cortada e lançada ao fogo!
Na liturgia de hoje nos é apresentado à vontade de Deus para com seus filhos, na primeira leitura o profeta Joel nos orienta que Deus quer que façamos um exame das nossas atitudes para que possamos entender o que é a vida. No inicio do livro do profeta Joel nos é apresentado uma terrível invasão de gafanhotos que devasta a plantação, diante dessa invasão de gafanhotos o profeta pede a participação dos profetas, sacerdotes, reis e o povo para numa grande manifestação de penitência e jejum para suplicar a Deus que afaste a catástrofe. Diante dessa leitura nós também somos convidados a ver em que nossa cidade e em nosso país passam também por catástrofes. Tanta violência, desrespeito com a vida, impunidade, enchentes, pestes, guerras, seca terremotos entre outras catástrofes somos orientados pelo profeta a fazer penitencia, jejum e súplicas a Deus para afastar essas catástrofes que acontecem em nossos dias.
Essas catástrofes só acontecem em nossos dias pela falta da prática de fé, pelo desrespeito com a vida, pelos pecados cometido contra Deus, pela falta de devoção, pela descrença, pelo egoísmo que tomou conta de nossa sociedade onde cada um quer ser melhor do que o outro e pelo falto de não acolher o irmão que sofre. Percebemo-nos que há muito tempo estamos sendo alertados contra isso. A principio temos o exemplo de Sodoma e Gomorra que por falta de fé, falta de oração e falta de temor a Deus, aquela cidade que não tinha nenhum justo foi destruída e isso certamente é visível aos nosso ver. E diante de tantos fatos caóticos da história e da natureza deveriam levar-nos a reexaminar os nossos projetos de vida para que diante disso tomássemos uma atitude e também uma mudança de costumes, pois Deus quando escuta os clamores do seu povo ele envia as soluções, a exemplo quando o povo estava sofrendo no Egito ele viu, escuto e enviou o seu servo Moises para libertá-los da escravidão. E nesse contexto é possível perceber o amor e o apoio que Deus tem para com seu povo.
O salmista nos apresenta um salmo de penitência, que se inicia com um apelo á misericórdia, e inclui a confissão formal do pecado. No salmo ele nos mostra que quando o próprio Deus acusa e nos coloca á frete de nossos pecados a única solução é apelar pela misericórdia de Deus. Ele pede que Deus manifesta a justiça e a salvação. No verso 6 do salmo, que diz: “pequei contra ti, contra ti somente, pratiquei o que é mal em sua presença.” Nos mostra que o pecado é ato pessoal contra Deus, não mera violência de uma ordem abstrata. E nós que somos filhos de Deus devemos diante Dele reconhecer a nossa própria culpa e invocar a misericórdia de Deus, e ele como pai de amor, nos dará a sua própria justiça e salvação.
Na segunda Leitura que foi retirada da carta de são Paulo aos Coríntios, vem orientar-nos que cruz de Cristo inaugura a era da reconciliação universa. Enquanto esperamos pela vinda do senhor, Deus escolheu pessoas comuns como nós para exercer o ministério da reconciliação. Pessoas essas, que damos o nome de apóstolos, continuam a atividade de Jesus na terra, e convocam todos os homens para reconciliar-se com Deus.
No evangelho de hoje temos algumas orientações sobre como devemos orar a Deus pai, pois é na oração que o homem plenamente se volta e encontra com Deus, reconhecendo-o como único e absoluto, e reconhecendo a si mesmo como criatura. Por isso rezar para ser elogiado é como um palhaço que pinta cara para que possa aparecer a beleza externa, mas no fundo daquela mascara está uma pessoa comum, maquiar a nossa oração para que os outros vejam, é a mesma coisa que falsificá-la. Não tem sentido e não compensa. Jesus faz criticas contra os hipócritas que rezam em pé nas sinagogas para que eles possam ser reconhecidos pelos outros. De nada adianta ser reconhecido pelos outros, se Deus não nos reconhece.
Muitas vezes, nos temos as atitudes dos hipócritas quando gritamos e fazemos barulho para que nossa oração, possa ser reconhecida pelos outros. Muitas vezes mostramos para os nossos irmãos que estamos em jejum, ou em oração para que os outros reconheçam que somos fieis a Deus, mas nem sempre estamos em comunhão com Deus pai. Às vezes usamos roupas longas, bem comportadas e sempre estamos falando das roupas, dos outros. Muita são as vezes que nós encontramos nas assembléias litúrgicas ornados de bom colóquio, e deixamos que o egoísmo, a megalomania, a insensatez, a ignorância, o desrespeito e a desobediência tomam conta do nosso coração e da nossa alma. Para que isso não possa acontecer devemos buscar em Deus de forma discreta e sensata o seu perdão e o seu amor. E que nós possamos hoje compreender a vontade de Deus para com os seus filhos diante do pecado e das injustiças, e que a exemplo dos apóstolos possamos ser colaboradores de Deus no ministério da reconciliação dos povos e dos mais sofridos, levando a todos o amor a caridade e benevolência de nosso Deus, e que a cada dia possamos manifestar a nossa fé e o nosso arrependimento á Deus de forma sensata e eficaz.
E que o senhor tenha misericórdia de nós os seus filhos. Amém.
PEDRO MARQUES ALCÂNTARA E SOUZA, OSB